Ministro, peça desculpas aos professores
Cosme Castor
Qui, 01/10/2020 11:35
Asst: Ministro, peça desculpas aos professores
Ignácio de Loyola Brandão, O Estado de S.Paulo
29 de setembro de 2020 | 08h58
Ministro Milton Ribeiro, deixe-me apresentar. Sou
escritor, publiquei 46 livros, jornalista desde 1952, hoje cronista e pertenço
a duas Academias, a Brasileira e a Paulista. Este breve curriculum se deve a
quê? Aos professores que tive.
Todos de primeira linha, dedicados, cultos,
apaixonados. Desde 1975, junto a outro escritor e acadêmico da Brasileira,
Antonio Torres, atravessamos o Brasil. Convidados por professores, discutimos a
formação de leitores e literatura. Estive várias vezes no Mackenzie, sua escola,
levado por quem? Por professores que adoram seu ofício.
Ao longo destes 50 anos, conhecemos e nos
relacionamos com mais de dois ou três mil professores que desdenharam outras
profissões. Poderiam ter sido médicos, engenheiros, advogados, ministros,
astronautas, cientistas, artistas, executivos, banqueiros, e daí em diante.
Preferiram ser mestres. Ninguém vai ser professor sem paixão pelo ensino.
Deste modo, ao ler sua entrevista neste jornal,
recentemente, levei um susto com sua escorregadela: “Hoje, ser professor é ser
quase que uma declaração que a pessoa não conseguiu fazer outra coisa”. Ou
seja, são pessoas que fracassaram. Em seguida, percebendo, o senhor tentou
consertar: “É preciso a gente olhar com carinho maior para os professores”. Ou seja,
uma no prego e outra na ferradura. Um tapa, um beijo. Afago e beliscão.
Existem zilhões de profissões. Mesmo assim, o que
se depreende de sua fala é que milhões acabaram sendo professores por
incapacidade, preguiça, deficiência mental, incompetência, ignorância, burrice,
analfabetismo? Exagero?
Como escritor, trabalhando com a imaginação
exacerbada, conhecendo o absurdo da realidade tornei-me, segundo me definem
curiosamente, “vidente”, profeta. Está em meu livro Desta Terra Nada Vai
Sobrar..., publicado em 2018: “O Ministério da Educação foi eliminado, porque o
governo decidiu que quem quiser estudar, estude onde quiser, como quiser, como
puder, onde conseguir, se tiver vontade.” Antecipei Bolsonaro e o
desmantelamento do Ensino. Há dois anos vivemos o caos educacional.
O senhor, Ministro, pertence a uma escola de elite
em São Paulo, reconhecida pela qualidade. Quer dizer que os professores que dão
aulas ali, e em todas as escolas do Estado, do País, foram dar aulas porque não
acharam mais o que fazer? Ou é gente que sonhou e se formou para isso, estudou,
batalhou à exaustão, conseguiu nível de excelência? Ou porque idealizaram mudar
cabeças, melhorar o País e isso se consegue com educação?
Sei – e o senhor sabe – que o número de professores
no país, em 2017, passava de 2,5 milhões, segundo revelou Carolina Gonçalves,
da Agência Brasil. A maior parte dos professores é da educação básica, seguindo
os do ensino superior, além dos que estão na zona rural.
Será que este número enorme é de gente que não
conseguiu outro trabalho? Não puderam ser célebres no cinema, nem cientistas,
caminhoneiros, artistas, garis, bombeiros, mestres de cozinha, modelos,
publicitários, jornalistas, bailarinos, futebolistas, taxistas, assessores de
políticos, de imprensa horticultores, balconistas, metalúrgicos, motoboys,
vidraceiros, caftens, marceneiros, pedreiros, chapeiros de hambúrguer,
agrimensores, bicheiros, pianistas, donos de papelaria ou de pastelaria?
Andou pelo Brasil, Ministro? Saiu dessa confortável
poltrona em que o vejo sentado na foto do jornal? Esteve nas escolas rurais de
Pirenópolis, interior do Goiás, onde professoras madrugam para dar aulas a
filhos de camponeses? Embarcou nos barcos bibliotecas que partem de Macapá
levando livros para escolas ribeirinhas sobre o Amazonas? Esteve com as
professoras que conseguiram ensinar alunos rebeldes, tresloucados, filhos de
marginais, na Casa Meio Norte, em Teresina, hoje modelo premiado?
Esteve – como estive – na escola da aldeia dos
índios da tribo Canindé, no Ceará, e viu os jovens mantendo tradições e
manipulando computadores com o pé no futuro? Ou acha, como o presidente, que os
índios estão só queimando matas? Conviveu com professores dando aulas ao ar
livre em Rio Branco, Acre, rodeados por jovens?
Testemunhou o trabalho monumental, voluntário, dos
professores que a cada ano são voluntários nas Feiras de Livros de Ribeirão
Preto, que chega à sua 20ª edição? Ou do esforço feito em Passo Fundo pelas
Jornadas de Literatura de Tania Rösing e sua equipe? Jornadas extintas por
dificuldades financeiras. Assombre-se, elas reuniam em cada sessão – e eram
três por dia – seis mil professores formadores de leitores.
Ministro, não ignore o fundamento de uma nação, o professor. Esse que é mal pago, desconsiderado, violentado, processado por pais, agredido por alunos. Sou escritor por ter tido professores dignos.
Percorra a nossa história e verá quantas figuras fundamentais (ou não) foram
formadas por eles. Peça desculpas a essa gente, base da nação. Seu cargo é mais
importante que o do presidente da nação. Não misture alhos com bugalhos,
libere-se dos preconceitos e entre para a história colocando ordem na casa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário