O
meu melhor amigo
Para:Você Sáb, 30/03/2024 08:40
“O meu melhor amigo morreu numa tarde triste de
sexta-feira. O sol ainda era quente e o calor era intenso. Morreu de um jeito
cruel. Vítima de um sistema político e religioso que não sabia entender que
*Deus prefere os miseráveis. Morreu porque amou demais; morreu porque não sabia
mentir.
O meu melhor amigo não sabia ser indiferente. Viveu
o tempo todo recolhendo os que estavam caídos e desacreditados. Ele foi um ser
humano inesquecível. Entrava em lugares proibidos e dormia na casa de pessoas
abomináveis. Trocou santos por Zaqueu, doutores por Mateus. Não se preocupava
com o que os outros estavam achando dele, mas ocupava-se de sua vida como se
cada instante vivido fosse o último.
Meu melhor amigo tinha o poder de ser irreverente.
Ele olhava nos olhos dos fracassados e lhes restituía a coragem perdida.
Segurava nas mãos dos cansados e os convencia que ainda lhes restavam forças
para chegar.
O meu melhor amigo era desconcertante. Tinha o dom
de confundir os sábios e encantar os simples. Eu, certa vez, também me encantei
com ele. Chegou num dia em que eu não sei dizer qual foi. Chegou numa hora em
que não sei precisar. Sei que chegou, sei que veio. Entrou pela porta da minha
vida e nunca mais o deixei sair. Somos íntimos. Minha fala está presa à dele.
Eu o admiro tanto que acabo tendo a pretensão de querer ser como ele. Já me
peguei cantando para ele os versos de Tom Jobim: “Não há você sem mim e eu não
existo sem você!” Ele sorri quando eu canto.
Meu melhor amigo me ensina a ser humano. Ele me
ensina que a vida é uma orquestra linda, mas dói. Ele me ensina a apreciar os
acordes tristes… e aí dói menos. A beleza distrai a tristeza. Foi assim que eu
assisti à sua morte na *Sexta-feira Santa. Eu sabia que era passageira. Era
apenas um interlúdio feito de acordes menores, dilacerantes de tão tristes. Meu
amigo não sabe ser morto. Ele gosta é de ser vivo, vivente! E é assim que eu
entendo a dinâmica da Ressurreição. Quando digo: “Ele está no meio de nós!” eu
estou convidando o meu amigo a ser vivo através de mim. Quem ama, de verdade,
leva sempre a criatura amada por onde vai. E é assim que o amor vai se tornando
concreto no meio de nós. É assim que a vida vai ficando eterna… e a gente vai
ressuscitando aos poucos…
Hoje, eu acordei mais feliz. Nada de especial me
aconteceu. Apenas me recordei de que meu melhor amigo ainda acredita em mim,
apesar de tudo. Eu sou um legítimo representante de sua ressurreição no mundo.
Não posso me esquecer disso. As pessoas olham para mim… eu espero que elas não
me vejam… eu espero que vejam o meu melhor amigo, em mim.”
Padre Fábio de Melo.
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