O "zap" funciona, mais uma vez:
Jesuítas lançam ‘Grito pela Vida na Amazônia’
8
de junho de 2021
O
Dia Mundial do Meio Ambiente, celebrado no último 5 de junho, passou. Mas, o
lamento e a indignação pela forma com que a agenda ambiental brasileira tem
sido negligenciada por suas autoridades, não. Diante disso, a Preferência
Apostólica Amazônia da Província dos Jesuítas do Brasil, por meio de suas obras
e presenças apostólicas, vem a público alertar a população e seus governos
sobre os impactos e perigos desta negligência e falta de cuidados com a nossa
Casa Comum e seus habitantes, sobretudo aqueles que ferem o território
amazônico.
Vale
lembrar que o Dia Mundial do Meio Ambiente foi recomendado pela Organização das
Nações Unidas (ONU) no ano de 1972, na Conferência de Estocolmo – reunião marco
na tentativa de melhorar as relações do homem com o planeta. A ideia foi chamar
a atenção das pessoas e dos governos sobre as questões ambientais e cuidados
necessários para preservar os recursos naturais. Diante disso, é dever de todos
potencializar uma cultura de cuidado para um desenvolvimento sustentável e integral
e isso ultrapassa uma data, se torna atitude contínua.
Por isso, lamentamos e nos indignamos pela
forma com que a agenda ambiental brasileira tem sido negligenciada por suas
autoridades. Nos últimos anos, observamos o agravamento da devastação do meio
ambiente provocado pelo aumento dos incêndios, garimpo ilegal, desmatamentos e
grilagem de terras em algumas partes do País, mas, sobretudo, na Amazônia
brasileira.
O desmonte de órgãos ambientais em conjunto
com a flexibilização das políticas de controle do desmatamento e do fogo,
facilitam o avanço das grandes corporações empresariais transnacionais do
agronegócio e da mineração sobre áreas preservadas e ameaçam os modos de vida
dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. Diante dos absurdos
praticados pela atual política ambiental, manifestamos o nosso veemente repúdio
e destacamos:
·
O aumento
do desmatamento e dos incêndios é reflexo do desmonte de órgãos ambientais em
conjunto com a flexibilização das políticas de controle do desmatamento e do
fogo. Como parte da implementação desse desmonte, o orçamento do Ministério do
Meio Ambiente (MMA) praticamente desapareceu. Apesar do aumento do desmatamento
e dos incêndios florestais, o governo propôs para o ano de 2021 o orçamento
mais baixo dos últimos 21 anos para o ministério. O Projeto de Lei Orçamentária
Anual (PLOA) de 2021 (PL 28/2020) encaminhado pelo atual governo ao Congresso
previu 1,72 bilhões, com 88% do orçamento discricionário comprometido com
gastos administrativos1;
·
De acordo
com o presidente do Instituto Chico Mendes (ICMBio), por ausência de recursos
será necessário suspender os serviços e operações para fiscalização, prevenção
e combate a incêndios2. A omissão ou mesmo a ação deliberada do
Estado brasileiro com a não realização de ações voltadas para o combate aos
incêndios pode favorecer uma nova onda de incêndios em 2022, colocando em risco
os territórios e recursos naturais que constituem a base para a garantia do
direito à vida e a reprodução socioeconômica de diversos povos indígenas e
comunidades tradicionais, principalmente considerando o contexto da pandemia
que tem impactado de forma mais intensa e agravante a vida destes povos;
·
O Estado
brasileiro tem desestruturado instituições públicas como a Fundação Nacional do
Índio (Funai) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra),
paralisando os processos de demarcação dos territórios tradicionais e reforma
agrária, categorias fundiárias das mais protetivas social e ambientalmente, que
poderia gerar diminuição da pobreza, desigualdades sociais e a proteção
ambiental para as presentes e futuras gerações;
·
As
investigações autorizadas pela Polícia Federal contra o ministro do Meio
Ambiente, Ricardo Salles, junto com outros funcionários públicos – suspeitos de
envolvimento num esquema que facilitou a exportação ilegal de madeira para
países da Europa e dos Estados Unidos3, e outra recente autorizada
pela ministra Cármem Lúcia, descredenciam as ações do governo federal na agenda
ambiental;
·
O
lançamento da política de aluguel de unidades de conservação com o decreto nº
10.623 de 9 fevereiro de 2021, ‘Adote um parque’, onde grandes empresas têm se
mostrado interessadas4. O documento não traz com clareza os
mecanismos de execução, de gerência orçamentária dos parques, aponta um
insuficiente monitoramento e ainda o decreto não esclarece se haverá distinções
de adoção das UC’s de proteção integral e de uso sustentável – onde há
comunidades tradicionais. Além de tudo isso, o ICMBio aparece como órgão
gestor, porém no contexto da agenda ambiental do Ministério do Meio Ambiente há
um Grupo de trabalho que discute a possível fusão do órgão com o IBAMA o que
torna todo o processo pouco transparente;
·
A omissão
do Estado frente às graves violações dos direitos humanos a que estão sujeitos
os povos Yanomami e Munduruku, resultado de atividades realizadas em seus
territórios principalmente por garimpeiros ilegais, madeireiros e agronegócios;5
·
A entrega
dos territórios da Amazônia aos projetos do agronegócio, das mineradoras e das
hidrelétricas, e do favorecimento deste tipo de empreendimento, sem políticas
públicas de promoção e proteção da agricultura familiar, da pesca artesanal e
do extrativismo das unidades de conservação.
Como podemos notar, é urgente a promoção de
políticas públicas de proteção integral da Amazônia, de combate ao desmatamento
e às queimadas e do cuidado com toda a biodiversidade. Expressamos a nossa
solidariedade aos movimentos, organizações sociais e poderes públicos que
seguem em frente na resistência, na sabedoria ancestral dos povos e comunidades
tradicionais e na defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado, definido
como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida das
presentes e futuras gerações.
Manifestamos o nosso pedido público por
justiça contra aqueles que estão violando as leis e atentando contra a
convivência pacífica no Brasil: garimpeiros, grileiros, empreendedores ilegais
e todos que acobertam as práticas criminosas de espoliação do meio ambiente, da
Amazônia. Manifestamos também o pedido público pela suspensão imediata da
tramitação do Projeto de Lei nº 2.633/2020 que trata sobre a regularização
fundiária e ameaça a vida de povos, comunidades tradicionais e a preservação da
biodiversidade. Pois, se aprovado, esse projeto vai acirrar ainda mais os
conflitos socioambientais e a violência no campo, além de não promover a
distribuição justa da terra e a preservação integral do meio ambiente.
A oportunidade também é de reafirmar o nosso
compromisso de seguir denunciando as práticas ilícitas e as posturas antiéticas
e de falso cristianismo que tratam de perverter os valores autênticos da
convivência social e da fé religiosa. Temos a Amazônia como uma eleição
peculiar em nossa missão evangelizadora no País e a história sociopolítica da
região com as causas de desigualdades sociais e persistentes atividades
predatórias da natureza que afetam a fauna e a flora nos indignam, pois atingem
diretamente os povos da floresta. Desta forma também, reiteramos o nosso apoio
incondicional aos povos indígenas e populações tradicionais do Brasil e seu
direito à vida e “vida em abundância” (Jo 10,10).
1 https://www.oc.eco.br/orcamento-meio-ambiente-e-o-menor-em-21-anos/
2 ICMBio
fica sem recursos para atividades básicas e pode paralisar de vez –
Sustentabilidade – Estadão (estadao.com.br)
4 https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-n-10.623-de-9-de-fevereiro-de-2021-302915383
Manaus (AM), 8 de junho de 2021.
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